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Fauna e Flora do Brasil em 1500: Trechos Históricos e Sustentabilidade

  • Foto do escritor: Igor Kalassa
    Igor Kalassa
  • 30 de set.
  • 7 min de leitura

As Primeiras Descrições da Natureza Brasileira

Em 1500, o escrivão português Pero Vaz de Caminha registrou as impressões sobre a terra recém-"descoberta" em uma carta ao rei D. Manuel Itodamateria.com.br. Nesse documento – o primeiro relato escrito sobre o Brasil – Caminha descreveu detalhes da fauna, flora e paisagem que encontraram. Os trechos originais dessa carta, reproduzidos a seguir (acompanhados de versão em português atual), revelam a riqueza natural do Brasil naquele momento e servem de reflexão sobre a importância da preservação nos dias de hoje.

Abundância de Aves e Animais Silvestres

Logo nos primeiros dias em terra, Caminha ficou impressionado com a quantidade de aves que sobrevoavam a mata. Ele relata a presença marcante de papagaios de várias cores e outras aves nativas. Isso indica a riqueza da fauna brasileira intocada pelos europeus:

Trecho original (1500): "Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, alguns papagaios atravessavam por essas árvores, verdes e pardos, grandes e pequenos, de maneira que me parece que haverá nesta terra muitos; porém, eu não vi mais que até nove ou dez. Outras aves, então, não vimos. Somente algumas pombas-seixas; e pareceram-me maiores... não duvido que por esse sertão haja muitas aves."educacaopublica.cecierj.edu.br
Versão moderna: "Enquanto estávamos na mata cortando lenha, papagaios de várias cores (verdes e pardos, grandes e pequenos) voavam por entre as árvores. Pareceu-me que nesta terra deve haver muitos papagaios; porém, eu pessoalmente não vi mais que uns nove ou dez. Outras aves não vimos naquele momento, exceto algumas pombas silvestres, que me pareceram maiores do que as de Portugal. Alguns companheiros disseram ter visto rolas (pombas), mas eu não as vi. Como as florestas aqui são imensas, diversas e muito densas, não duvido que pelo interior haja muitas outras aves."educacaopublica.cecierj.edu.br

Caminha realça, portanto, a riqueza da avifauna brasileira – papagaios multicoloridos e pombas nativas – mesmo em uma observação breve. Esse vislumbre inicial da biodiversidade indica quão próspera e intacta era a natureza. A variedade de pássaros e o comentário de que “não duvida” haver muito mais espécies no interior ressaltam a abundância de vida silvestre no Brasil pré-colonial.

Encontro de Mundos: Fauna Desconhecida

Quando os portugueses apresentaram aos indígenas animais trazidos da Europa, ficou evidente o contraste entre as faunas. Os nativos reconheceram de imediato o papagaio, indicando que essas aves já existiam em abundância no local. Em contrapartida, nunca tinham visto animais domésticos europeus como o carneiro e a galinha – e suas reações de estranhamento ficam claras no relato de Caminha:

Trecho original (1500): "Mostraram-lhes um papagaio pardo que o capitão trazia aqui. Tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como quem dizia que lá também os havia. Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele. Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão; depois acabaram pegando, mas como espantados."educacaopublica.cecierj.edu.br
Versão moderna: "Mostraram aos indígenas um papagaio pardo que o Capitão tinha consigo; eles logo pegaram o papagaio na mão e fizeram sinal apontando para a terra, como quem diz: 'aqui também há desses'. Em seguida mostramos a eles um carneiro, mas não deram importância nenhuma. Mostramos então uma galinha; eles quase tiveram medo dela e nem queriam tocá-la; depois acabaram pegando na galinha, mas ficaram espantados."educacaopublica.cecierj.edu.br

Esse episódio ilustra o choque de culturas e de ecossistemas: os povos indígenas estavam familiarizados com a fauna local (papagaios e outros animais silvestres), mas desconheciam os animais introduzidos pelos europeus. A surpresa diante de um simples carneiro ou galinha mostra que tais espécies não existiam nas Américas naquela época. Isso reforça como a fauna nativa brasileira era distinta (papagaios, aves, peixes e animais selvagens) e como o contato trouxe espécies exóticas que, séculos depois, viriam a alterar profundamente os ecossistemas locais.

Vida Sustentável: Alimentação Natural dos Indígenas

Caminha também observou o modo de vida dos habitantes locais em relação à subsistência. Na carta, ele destaca que os indígenas não praticavam agricultura nem pecuária nos moldes europeus, vivendo dos recursos naturais disponíveis – raízes, frutos e sementes da floresta. O relato a seguir mostra admiração pela forma sustentável de alimentação dos nativos, que extraíam da terra seu sustento sem criar animais domésticos:

Trecho original (1500): "Eles não lavram, nem criam. Nem há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem outra nenhuma alimária que seja costumada ao viver dos homens; nem comem senão desse inhame – que aqui há muito – e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores lançam de si. E com isso andam tais, tão rijos e tão nédios que não o somos nós tanto, conquanto comamos trigo e legumes."educacaopublica.cecierj.edu.br
Versão moderna: "Eles não cultivam a terra nem criam animais. Aqui não há bois, vacas, cabras, ovelhas, galinhas, nem qualquer outro animal que esteja acostumado à convivência com o homem (animal doméstico). Eles não comem senão o inhame – do qual aqui há em abundância – e as sementes e frutos que a terra e as árvores produzem por si sós. E, alimentando-se disso, são tão fortes e robustos, que nós (europeus) não o somos tanto, apesar de todo o trigo e legumes que comemos."educacaopublica.cecierj.edu.br

Esse trecho evidencia uma harmonia com a natureza: os povos indígenas tiravam seu sustento diretamente do meio ambiente, consumindo alimentos nativos (como raízes e frutos) sem necessidade de desmatar para plantar lavouras extensas ou criar gado. Caminha chega a notar que eles eram saudáveis e vigorosos – “rijos e nédios” – mesmo sem os alimentos trazidos pelos europeus. Essa observação histórica mostra uma forma de vida sustentável, em que a floresta e seus frutos sustentavam a população. Para o leitor moderno, é um lembrete de que a biodiversidade brasileira sempre foi uma fonte natural de riqueza e saúde, reforçando a importância de preservar esses recursos.

A Beleza Natural e o Potencial do Brasil

Ao encerrar sua carta, Pero Vaz de Caminha exaltou a beleza e generosidade natural da terra brasileira. Ele descreve as paisagens intocadas, o clima agradável e a abundância de recursos hídricos, sugerindo que “em se plantando, tudo dá” – ideia de que a terra fértil produziria de tudo se aproveitada. Vejamos suas palavras sobre o cenário deslumbrante que se descortinava aos olhos dos colonizadores:

Trecho original (1500): "Esta terra, Senhor, me parece que – da ponta que vimos, mais para o sul, até a outra ponta que vem do norte – será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar, em algumas partes, grandes barreiras, algumas delas vermelhas e outras delas brancas. A terra por cima é toda chã (plana) e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia palma, muito chã e muito formosa. Pelo sertão (interior) nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender os olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos, que nos parecia mui longa terra."educacaopublica.cecierj.edu.br
Versão moderna: "Esta terra, Senhor, parece-me que – desde a ponta avistada ao sul até a outra ponta ao norte – é de tal vastidão que deve ter umas 20 ou 25 léguas de costa. Ao longo do litoral há falésias altas, algumas avermelhadas, outras esbranquiçadas. O terreno para o interior é plano e coberto por mata densa. De uma extremidade a outra, tudo é praia forrada de palmeiras, terra muito plana e muito formosa. Pelo sertão, visto do mar, a terra nos pareceu vastíssima, pois onde quer que estendíamos o olhar, só víamos terra coberta de arvoredos, a perder de vista."educacaopublica.cecierj.edu.br
Trecho original (1500): "Não pudemos saber, até agora, que haja nela ouro, nem prata, nem qualquer coisa de metal ou ferro (nem o vimos). Porém, a terra em si é de muito bons ares, frios e temperados, como os de Entre-Douro-e-Minho. Águas são muitas, infindas. E de tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Porém, o melhor fruto que nela se pode fazer me parece que será salvar esta gente."educacaopublica.cecierj.edu.br
Versão moderna: "Até agora não descobrimos aqui ouro nem prata, nem qualquer metal ou ferro – nada disso vimos. Porém, esta terra em si tem ares muito bons, um clima ameno e fresco como o do norte de Portugal. Há aqui águas em abundância, inesgotáveis. E de tal modo a terra é graciosa que, querendo aproveitá-la, tudo nela dará fruto, graças às muitas fontes e rios que possui. No entanto, o melhor fruto que se pode colher nela me parece que será salvar esta gente (converter os nativos à fé)."educacaopublica.cecierj.edu.br

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Nos trechos acima, Caminha enaltece a natureza paradisíaca do Brasil: praias repletas de palmeiras, florestas extensas até onde a vista alcança, água fresca em quantidade, clima agradável – “ares muito bons” – e solo fértil. Ele sugere que a terra é tão generosa que “dando-lhe o devido uso, nela tudo crescerá”, antevendo o potencial agrícola natural. É interessante notar que, para ele, o maior "fruto" a extrair seria “salvar esta gente”, numa referência à conversão dos indígenas ao cristianismoeducacaopublica.cecierj.edu.br. Hoje, podemos reinterpretar simbolicamente esse trecho, pensando que salvar a gente também significa preservar a natureza e os povos que dela dependem – afinal, a proteção das florestas e da fauna é essencial para o bem-estar das comunidades humanas e para a manutenção dos “bons ares” e das “águas infindas” que ele tanto admirou.

Importância da Preservação nos Dias de Hoje

Os relatos de Pero Vaz de Caminha permitem visualizar o Brasil de 1500 com ecossistemas exuberantes e equilibrados. A carta retrata um ambiente intocado, onde a fauna e flora floresciam livremente – dos bandos de papagaios voando nas matas às árvores frutíferas fornecendo alimento aos habitantes originais. Passados mais de 500 anos, essa riqueza natural enfrenta ameaças crescentes, como a destruição de habitats, desmatamentos e extinção de espécies. Por isso, torna-se cada vez mais urgente preservar a fauna e a flora brasileiras, patrimônio que encantou os primeiros cronistas.

Resgatar esses trechos históricos não é apenas um exercício de memória, mas também um alerta para o presente. A mesma sustentabilidade natural observada por Caminha – povos vivendo em harmonia com a mata, tirando dela seu sustento sem esgotá-la – inspira as práticas modernas de conservação. Proteção ambiental e sustentabilidade deixaram de ser apenas conceitos e tornaram-se necessidade: é fundamental garantir que as futuras gerações possam ver os papagaios multicoloridos, sentir os “bons ares” das matas e desfrutar das “águas infindas” que o escrivão quinhentista tão bem descreveu.

Em suma, ao lermos hoje a carta de 1500, entendemos que o futuro da nossa biodiversidade depende das escolhas que fazemos no presente. Preservar a natureza brasileira – sua fauna, flora e recursos – é honrar não só a memória descrita por Caminha, mas sobretudo assegurar um porvir sustentável, onde o Brasil continue sendo sinônimo de riqueza natural e vida em abundância.

Referências: Trechos extraídos da Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manoel (1500)educacaopublica.cecierj.edu.breducacaopublica.cecierj.edu.breducacaopublica.cecierj.edu.breducacaopublica.cecierj.edu.breducacaopublica.cecierj.edu.br, conforme compilados em edições acessíveis ao público.

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